Casa da vó é tão bom, né? Não que a minha vó seja assim, aquela criatura delicada que fala baixinho, faz um monte de bolinhos pros netinhos e deixa eles fazerem o que quiserem... Muito pelo contrário! Minha vó nunca foi chegada a fazer paparicos em crianças, andava sempre com a cara fechada e brigava com a gente o tempo todo. A gente adorava isso! (rsrs)
Quer dizer, a gente era criança e criança não se importa muito com certas coisas. A gente queria saber mesmo era de brincar e acabou se acostumando com o jeito esquisito da minha vó.
Em compensação, havia o meu avô, que gostava de brincar com a gente, fazer bichinhos de palha de côco e chapéu de folha de planta. Ele acordava a gente imitando o Pato Donald e deixava a gente ir com ele quando ia levar o cavalo pra pastar.
Esses são meus avós maternos e eu, meus irmãos e meus primos adorávamos passar dias na casa deles, lá em José de Freitas, cidade que fica a 47km de Teresina.
Quando eu ainda era bem pequena e entrava de férias no colégio, a minha mãe me mandava logo pra casa da minha vó, pra passar pelo menos uma semana por lá. Até então, eu só tinha uma irmã mas, ela era bem mais apegada à mamãe do que eu, talvez também por ser mais nova. Então eu ia sozinha mesmo...
Havia uma prima muito querida, que eu gostava muito e nós achávamos o máximo fazer aniversário no mesmo dia. Quer dizer, eu pensei logo em nascer no dia do primeiro aniversário dela e, acho que isso uniu bastante a gente.
A minha vó, por mais que fosse briguenta e mal-humorada, cuidava da gente direitinho. Quando minha irmã cresceu mais um pouco, ela também ia comigo passar férias na casa da vovó, sem a mamãe.
Vovó comprava banana de casca verde pra gente. Sempre que a gente ia, ela comprava. Essa banana é uma delícia... Ai... eu consigo sentir até o gosto...
Quando vovô trazia milho verde da roça, ela fazia canjica pra mim. Hummm... Canjica...
Eu e a Larissa tínhamos copinhos e pratinhos personalizados. Havia bem mais netos e tal, mas só a gente tinha esse privilégio.
A casa da vovó era coberta de palha, as paredes eram de barro e o chão batido. Eu adorava aquela casa.
Durante a noite, a gente escutava uns barulhos esquisitos de bichos caminhando no telhado e como a casa dormia inteiramente mergulhada no escuro, era aterrorizante (rsrsrs). Isso era divertido também. Ainda não tinha energia elétrica. A gente passava a noite à luz de lamparina e eu juntava todos os primos em volta de alguma delas (de preferência, longe dos adultos) pra poder brincar com o fogo.
Os bichos eram um dos nossos passatempos preferidos, principalmente os enjeitados. Enjeitados são aqueles que a mãe não quis quando nasceu. Tipo, ela meio que abandona o filhote e não quer amamentar nem nada.
O primeiro deles foi o Júnior. Júnior era um cabritinho branco, rajado de preto, que era uma fofura. Eu lembro dos primos todos em volta dele, uns dois dias depois que ele nasceu. E eu fiquei penalizada quando vovô disse que ele era enjeitado. Coitadinho...
A gente vivia perto da casinha do Júnior e eu nem lembro direito quando e quem colocou esse nome nele. Mas era assim mesmo. Quando a gente se dava conta, todo mundo já tava chamando os bichos por nome que a gente nem reparava de onde saía.
O cabritinho era o nosso xodó, porque era pequenininho e gostava de brincar com a gente. Estava sempre onde a gente estava. Talvez porque sempre tinha alguma coisa pra ele comer. Tinha uma planta que nascia em outra maior, principalmente nos pés de caju. Eu não sei como, mas ela aparecia nos galhos da árvores e tinha a folha lisinha e fria. Nós colocamos o nome dela de maquiagem-gelada (rsrs). Isso porque era gostoso passar a folhinha gelada no rosto e refrescar um pouquinho do calor. A nossa maquiagem-gelada, era comida de bode. O vovô ensinou pra gente. Então, como nós sempre estávamos em cima de algum pé de caju, sempre tinha maquiagem-gelada pro Júnior comer.
Bem, um dia ele cresceu e já estava até dando chifrada em bumbum de gente (inclusive no meu...), então o vovô achou que já era hora de cozinhar o cabritinho. Nós ficamos tristes e fizemos um combinado de não colocar um pedaço daquela carne na boca... e, bem... a fome falou mais alto.
Certo dia, meu tio apareceu lá com um mambira. Pra quem não sabe, mambira é como as pessoas do interior chamam os tamanduás.
Ele era filhotinho e também a coisa mais fofa que eu já tinha visto na vida. Hoje eu sei que é errado criar esse tipo de animal, ainda mais tão novinho assim... Mas, gente do interior, ainda mais naquela época, não tinha muito conhecimento disso.
O fato é que a gente se apaixonou pelo mabira, que tomava leite numa latinha de sardinha e gostava de passear com gente. A primaiada se juntava, chamava ele e o bichinho saía correndo atrás da gente.
Um dia, porém, nós chegamos lá pro fim de semana e tivemos a triste notícia de que um vizinho malvado tinha roubado o mambirinha e comido o pobrezinho...
Daí, apareceu a Miúda. Miúda era uma leitoinha enjeitada que, por não ter sido amamentada pela mãe, ficou magrinha, magrinha e a minha tia, que resolveu cuidar dela, achou até que a coitadinha não escapava.
A Miúda também gostava de brincar com a gente e estava sempre por perto. Era como um cachorrinho... E com o tempo ela também foi ganhando peso... E vocês já sabem o resto, né? Panela! Nunca vi povo mais carnívoro!! Aff...
O Capoeira era um cavalo marrom e muito bonito que o vovô tinha. A gente colocou esse nome sem querer. Capoeira era o lugar onde o vovô deixava o cavalo pra pastar e a gente achou que fosse o nome do cavalo! Então ficou assim mesmo: Capoeira. E até que ele ficou bastante tempo com a gente porque, enfim, cavalo não se come!(rsrs)
A Kátia era uma cabra já crescida e muito dócil. A Letícia, minha irmã mais nova colocou esse nome nela porque gostava desses nomes chiques (rsrs). Mas nós a chamávamos carinhosamente de Katinha.
A Katinha parecia mais outra criança que brincava ali com a gente do que com uma cabra. A gente gritava o nome dela e ela atendia! E nós choramos muito quando meu avô vendeu a Kátia pro nosso tio... Enfim, nada dura para sempre, não é mesmo?
Então chegou o outro Júnior. Ele não era enjeitado e já estava bem crescido. Mas ganhou a nossa simpatia e nós ganhamos a dele também, de modo que ele estava sempre por perto e gostava de brincar de pega-pega com a gente. É claro que, era ele que sempre ficava (rsrs).
Nós conhecemos o Diego de uma forma muito triste... Diego era um bezerrinho que foi atropelado com a mãe dele na rodovia. A mãe do Diego morreu e ele teve fratura exposta. O osso da perna dele ficou todo pra fora e eu ficava com tanta pena toda vez que olhava pra ele... O bezerrinho teve que ficar deitado por um bom tempo, até que como um milagre, ele um dia conseguiu se levantar. Ele mancava um pouco ainda, mas andava! E acho que, pelo fato de ter ficado tanto tempo praticamente dentro de casa, deitado e recebendo comida na boca, ele ficou mansinho, mansinho e quase não ia pra longe. Ele gostava tanto que, quando meu avô falava com ele, ele respondia! Claro que, na língua dos bezerros, né? Porque, tá certo que a perna dele sarar, foi um milagre mas... falar Português, já é demais, né?! (rsrs)
E um dia eu coloquei na cabeça que todas as galinhas do terreiro tinham que ter um nome, porque elas poderiam ficar enciumadas por serem tratadas como galinhas normais já que, esses outros animais aí de cima tinham sua própria identidade.
Então eu saí pelo quintal, apontando cada uma e batizando a penosa com um nome escolhido cuidadosamente, de acordo com a sua personalidade e signo do zodíaco. Mentira. Eu dizia o primeiro nome que vinha na minha cabeça.
Clotilde, Maricota, Amanda, Carlota... Cada uma ganhou um nome. E no fim de todo esse processo... Eu não sabia mais quem era quem. E que que tá me olhando com essa cara aí?! Elas eram todas parecidas e, além disso, o que vale é a intenção. E pra falar a verdade, eu tenho absoluta certeza de que cada uma decorou seu nome. Ah! Pera aí, né?! São galinhas, pelo amor de Deus! Elas não precisam ter nome!
Ai, ai... Eu gostava muito desse tempo... Hoje a casa tem paredes sólidas de tijolo, telhas ao invés de palhas, a energia elétrica chegou faz tempo... A expansão da cidade não deixou mais espaço pra criar porco, nem bode, nem bezerrinho... Não tem mais o pé de caju pra subir, nem maquiagem-gelada... Os primos todos cresceram, tiveram filhos, viraram roqueiros esquisitos ou maloqueiros... Até a vovó ficou mais simpática e (pasmem!) carinhosa! (rsrs)
Mas eu tenho pelo menos a lembrança, certo? E ela vai estar aqui sempre...
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